sábado, 28 de junho de 2008

As quatro estações

Dia desses parei para apreciar "As quatro estações" de Vivaldi.

Lembrei-me do Artur da Távola, que, ao comentar esta obra magnífica, foi muito feliz ao dizer como, pela música, é possível identificar o espírito das quatro estações com as passagens de nossas vidas.

Na primavera, as flores, a alegria, todo o encantamento que brota da vida que então floresce. Depois, o verão, o ápice da exaltação da vida, com o calor que anima as pessoas e a jovialidade que se faz presente. No outono, toda essa agitação começa a adormecer, numa época de renovação, com o início da morte daquilo que precisa ceder lugar ao novo. No inverno, sobressai o silêncio marcado pelo frio, pelo recolhimento, enfim, pela morte. Mas a morte não é o fim. Da morte brota a vida, já marcando o início da primavera, recomeçando uma nova estação, nesse ciclo infinito da beleza da vida.

Assim é, também, a nossa vida. Quantas vezes somos primavera, florescendo, radiantes, na celebração da vida que renasce; verão, exalando, alegres, felicidade, no viver calorosamente; outono, recolhendo, cansados, nossas forças, na preparação para o que está por vir; inverno, assumindo, tristes, o recolhimento da morte.

O segredo talvez esteja em reconhecermos o caráter cíclico da vida. Nenhuma estação dura para sempre. E uma só existe em razão da outra. Impossível se enclausurar em apenas uma das estações. Por mais tenebroso que seja o inverno, a primavera há de chegar, numa preparação para o auge da vida, que é o verão, que, por sua vez, certamente não durará para sempre, cedendo lugar ao outono, na véspera do novo inverno que não se demora a se apresentar.

Impressiona o poder mágico que a música tem, de revelar algo que se apresenta de maneira tão sublime. Ouçam "As quatro estações" e apreciem toda a beleza que nela se contém.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Direito, Psicanálise, Liberdade e Livre-arbítrio

Participei, há pouco, do Congresso Brasileiro de Direito e Psicanálise, promovido pela Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória (http://www.escolalacaniana.org.br/), que teve por tema "a lei em tempos sombrios".

Tratou-se de um evento interessante sob os mais variados aspectos, de entre os quais destaco o proveitoso diálogo de profissionais de duas áreas distintas, mas que lidam com várias questões em comum, animados por uma interdisciplinariedade que faz bem sempre!

Abordei a "crise da autoridade no mundo atual", numa mesa que contou com a participação da psicanalista Cláudia Pretti Vasconcellos, presidida pelo psicanalista Marcelo Kill.

Enquanto eu abordei a crise de autoridade no espaço público, a Cláudia tratou dessa mesma questão no espaço privado, o que já demonstra a utilidade de se olhar, por sob dois prismas, a mesma questão.

Busquei uma abordagem a partir de Santo Agostinho, que diferencia "liberdade" de "livre-arbítrio". Na verdade, para falar sobre a crise da autoridade é preciso cuidar, também, da crise da liberdade no mundo atual.

Afinal, discute-se muito, hoje em dia, sobre o sentido da liberdade. Prega-se a liberdade a qualquer preço, como se exercer a liberdade pudesse ser encarado como fazer tudo o que se tem vontade. Com isso, dificulta-se, muitas vezes, a própria convivência em comunidade, pelo não-reconhecimento de qualquer autoridade.

Afinal, liberdade não é fazer tudo o que eu quero (isto é livre-arbítrio), mas tudo o que eu posso! E eu só sei o que eu posso quando eu reconheço uma autoridade que limite o meu querer, a minha vontade!

Segundo Santo Agostinho, a liberdade verdadeira é resultado da "boa vontade", do querer guiado pelo amor de Deus, que se manifesta por quatro virtudes (prudência, força, temperança e justiça).

Somente quando estamos ligados a Deus pelo amor, como fala João no capítulo 4, versículo 16 de sua carta (“Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele”), é que se torna possível a vita beata, isto é, a "a vida boa" ou "vida reta", livre do pecado. Só assim o livre-arbítrio é purificado e se transforma em liberdade.

Após um desancoramento, é possível trazer essas considerações para o campo do Direito, reconhecendo-se a importância do amor como autoridade que justifica a limitação do livre-arbítrio, oferecendo um sentido legítimo à liberdade.

O amor, nessa perspectiva, como "fraternidade" (ou "caridade"), velho ideal da Revolução Francesa, à espera, ainda, de concretização nos dias de hoje. Trata-se aí do amor caritas ou agape, o amor benevolente, tal e qual a afirmação de João, ao proclamar Deus caritas est.

Nesse contexto, a sugestão do Eligio Resta - que já comentei aqui em outra ocasião - é auspiciosa, ao propor o estabelecimento de "códigos fraternos".

Eis aí uma maneira de se procurar entender a crise da autoridade - e, também, da liberdade - nos dias atuais.