segunda-feira, 16 de junho de 2008

Direito, Psicanálise, Liberdade e Livre-arbítrio

Participei, há pouco, do Congresso Brasileiro de Direito e Psicanálise, promovido pela Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória (http://www.escolalacaniana.org.br/), que teve por tema "a lei em tempos sombrios".

Tratou-se de um evento interessante sob os mais variados aspectos, de entre os quais destaco o proveitoso diálogo de profissionais de duas áreas distintas, mas que lidam com várias questões em comum, animados por uma interdisciplinariedade que faz bem sempre!

Abordei a "crise da autoridade no mundo atual", numa mesa que contou com a participação da psicanalista Cláudia Pretti Vasconcellos, presidida pelo psicanalista Marcelo Kill.

Enquanto eu abordei a crise de autoridade no espaço público, a Cláudia tratou dessa mesma questão no espaço privado, o que já demonstra a utilidade de se olhar, por sob dois prismas, a mesma questão.

Busquei uma abordagem a partir de Santo Agostinho, que diferencia "liberdade" de "livre-arbítrio". Na verdade, para falar sobre a crise da autoridade é preciso cuidar, também, da crise da liberdade no mundo atual.

Afinal, discute-se muito, hoje em dia, sobre o sentido da liberdade. Prega-se a liberdade a qualquer preço, como se exercer a liberdade pudesse ser encarado como fazer tudo o que se tem vontade. Com isso, dificulta-se, muitas vezes, a própria convivência em comunidade, pelo não-reconhecimento de qualquer autoridade.

Afinal, liberdade não é fazer tudo o que eu quero (isto é livre-arbítrio), mas tudo o que eu posso! E eu só sei o que eu posso quando eu reconheço uma autoridade que limite o meu querer, a minha vontade!

Segundo Santo Agostinho, a liberdade verdadeira é resultado da "boa vontade", do querer guiado pelo amor de Deus, que se manifesta por quatro virtudes (prudência, força, temperança e justiça).

Somente quando estamos ligados a Deus pelo amor, como fala João no capítulo 4, versículo 16 de sua carta (“Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele”), é que se torna possível a vita beata, isto é, a "a vida boa" ou "vida reta", livre do pecado. Só assim o livre-arbítrio é purificado e se transforma em liberdade.

Após um desancoramento, é possível trazer essas considerações para o campo do Direito, reconhecendo-se a importância do amor como autoridade que justifica a limitação do livre-arbítrio, oferecendo um sentido legítimo à liberdade.

O amor, nessa perspectiva, como "fraternidade" (ou "caridade"), velho ideal da Revolução Francesa, à espera, ainda, de concretização nos dias de hoje. Trata-se aí do amor caritas ou agape, o amor benevolente, tal e qual a afirmação de João, ao proclamar Deus caritas est.

Nesse contexto, a sugestão do Eligio Resta - que já comentei aqui em outra ocasião - é auspiciosa, ao propor o estabelecimento de "códigos fraternos".

Eis aí uma maneira de se procurar entender a crise da autoridade - e, também, da liberdade - nos dias atuais.

4 Comentários:

Às 16 de junho de 2008 às 08:49 , Anonymous Anônimo disse...

Muito legal seu texto, sua abordagem !

Como vc mesmo já disse alguma vezes: "Livre é quem tem o poder de dizer 'não'".

Um grande beijo !

Sua fã !

Fernanda Coelho

 
Às 16 de junho de 2008 às 10:14 , Blogger Marcelo Coelho disse...

Rodrigao,

Vc chamou para uma reflexao. Apesar da argumentacao, para mim a questao continua em aberto. Ja que vc se propoz, seria importante haver uma sintese da discussao desse tema durante o congresso.
abx

 
Às 16 de junho de 2008 às 11:58 , Anonymous Anônimo disse...

Emocionado, li a sua matéria. Emocionado, fiquei com a sua participação em congresso de psicanálise, máxime, tendo Lacan no centro. Mais emocionado ainda, fiquei, quando vi Santo Agostinho desabrochar em seu texto. Aprendi mais uma vez contigo, ao ler sobre liberdade e livre-arbitrio em Santo Agostinho. Sua escrita, como de hábito, é uma das coisas mais lindas que já vi, vai escrever bem assim lá nas Laranjeiras! (viva o flu!). Rodrigo, que maravilha foi revê-lo, assim, numa forma magnífica e com o coração cheio de amor (lembrei-me da bela Fernanda!). Deus é amor, o disse João, e reafirmou Rodrigo. É claro que assim, só o amor nos justifica Rodrigo. Beijos no coração e obrigado pelo empolgante texto! Fique com Deus irmão! Roberto Wagner - Três Rios-RJ

 
Às 19 de junho de 2008 às 16:02 , Blogger Capixaba Aventureira disse...

Ei prof. Espero que não seja intromissão, mas resolvi visita-lo.

Bem, de ínicio foi apenas por curiosidade, mas diante do brilhantismo na escrita tenho uma sugestão a fazer. Que tal um concurso...
Estou participando de um sobre LOGOSOFIA. É dividido em duas categorias, alunos e Professores de universidade.
Procure se informar, as incrições vão até dia 30 de junho e pela demonstração que tive aqui, suas chances são muito grandes.
Um abraço.

 

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