"Direito fraterno"
Li, há pouco, o “Direito fraterno”, do Eligio Resta.
Permitam-me transcrever o último parágrafo do capítulo conclusivo do livro: “Trata-se, enfim, de um modelo de direito que abandona o confim fechado da cidadania e olha para a forma nova de cosmopolitismo que não são os mercados, mas a obrigatoriedade universalista de respeitar os direitos vai impondo ao egoísmo dos ‘lobos artificiais’, ou dos podres informais que, à sua sombra, governam e decidem. Fala-se, então, de uma proposta frágil, infundada, que aposta sem impor, que arrisca cada desilusão, mas que vale a pena cultivar: vive de esperas cognitivas e não de arrogâncias normativas. O direito fraterno, então, vive de falta de fundamentos, anima-se de fragilidade; procura evitar afirmar que “deve” ser, e que existe uma verdade que o move. Ao contrário, arrisca algo numa aposta, exatamente como na aposta de Pascal sobre a existência do bem comum: se tivesse existido, o benefício teria sido enormemente maior do que o custo empregado com as próprias contribuições pessoais. No caso em que, ao contrário, não tivesse existido aquilo que se gastou, teria tido um pequeno custo em relação àquilo que se poderia ter ganho. Convém, então, apostar na fraternidade”.
A abordagem do Eligio é interessante em vários aspectos, embora peque, na minha opinião, por algumas inconsistências. Mas, no balanço geral, o livro consegue trazer luzes interessantes para uma discussão, embora de altíssima relevância, pouco presente nos debates dos dias atuais.
Um dos pontos que me chamou atenção foi a revelação de um diálogo travado entre Einstein e Freud, no período entre-guerras, sobre as causas e as finalidades das guerras.
A discussão entre os dois intelectuais é profunda, principalmente quando Freud vê Einstein como um “amigo da humanidade”.
Eligio aproveita o ensejo para resumir o sentido que pode ser extraído daí: “amigo da humanidade é, portanto, o indivíduo moral e racional que, conscientemente, conhece os riscos, mas gandhianamente, aposta na existência de um bem comum, que é o bem da humanidade em si mesmo. Paradoxalmente, o amigo da humanidade é quem compartilha o sentido da humanidade e dela se sente parte, assumindo, também, a existência do inimigo; não o demoniza, não o descarta, jogando-o em ‘outro’ mundo, mas assume inteiramente o seu problema. A rivalidade reside, portanto, em nós mesmos, dentro da própria humanidade: assim, o amigo da humanidade não é simplesmente o oposto do inimigo, mas é algo diverso que, graças à sua diversidade, é capaz de superar o caráter paranóico da oposição”.
Esse “caráter paranóico da oposição”, parece-me, consiste na exclusão do outro, num egoísmo (= individualismo) exacerbado, que contraria o sentido de fraternidade.
Eligio questiona, parafraseando Agnes Heller, se a “modernidade pode sobreviver” ainda com modelos jurídicos que remontam ao Iluminismo, tratando da essência dos sistemas jurídicos como fundantes na “violência legítima” (ou “segunda coerção”, como diria Kant), por meio de mera justificação racional. O fato é que a base do direito acaba sendo a violência, que insiste na visão amigo-inimigo, o que dificulta, sobremaneira, a realização da fraternidade. Embora se diga tratar-se de uma violência “legítima”, não deixa de ser violência...
Vejam, então, que a crítica posta no “Direito fraterno” procura atacar as raízes do problema, propondo, anacronicamente (como reconhece o próprio Eligio), a adoção de “códigos fraternos”.
Afinal, se os direitos humanos existem para a humanidade, não se deve esquecer que somente a humanidade pode violá-los... justamente pela falta da fraternidade, pelo “caráter paranóico da oposição”, alimentado, em grande medida, pela própria estruturação do direito. Mas seria possível estruturá-lo em torno da amizade? Ou melhor, do amor? Da fraternidade?
Daí a conclusão que reproduzi no início deste texto.
Ao juiz, ou melhor à jurisdição, Elígio propõe um caráter mínimo, insistindo na efetividade muito maior, sob o ponto de vista da fraternidade, da “mediação” e não da “de-cisão”, que implica separação, exclusão, isto é, cisão.
Assim, ele coloca como personagens principais do litígio as partes e não o juiz, que, antes de “ius-decit” (decidir), deve “mediar”, no sentido de aproximar as partes (que não devem ser vistas numa relação de inimizade), minorando-se a utilização da “violência” na resolução do conflito, ainda que legítima...
Bem, essas foram minhas primeiras impressões sobre o livro. Ainda quero meditar sobre ele, para sorver, um pouco mais, o que dele se pode extrair.
Mas, por sem dúvidas, a fraternidade ainda tem muito a enfrentar, para se fazer presente nos dias atuais.
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